"Se a política eleitoral e a ação dos mandatários são as principais ferramentas de promoção do bem comum numa sociedade democrática, não dá para dizer que o Cristão que assume verdadeiramente a sua fé pode deixar de lado a política, uma vez que esta também é um importante instrumento de instauração da justiça social. "

domingo, 25 de novembro de 2007

Política: Não é Ninguém... Somos todos Nós!

Luiz Augusto Passos *

É necessário ainda repetir: política é coisa da terra e feita por humanos. Não é coisa de anjos e deuses. Vale o que dizia brutalmente, Pascal: quem quiser se fazer de anjo, acaba se fazendo de besta. Políticos que somos temos limites. A ação política é inerente e imanente, não transcendente. Tem alcances inimagináveis, mexe com o poder, com o destino da polis, vale dizer dos seus habitantes. Se não nos permite fazer operações e cirurgias em um campo completamente asséptico, também não se pode fazê-la no esgoto (Geertz). Até porque de maneira radical, de um cano de esgoto não se pode beber uma gota de água pura (Antonio Callado).
Política é prática de se fazer humanidades
Ao falar de humanidade não pressupomos o estigma da ideologia moderna que apreende e compreende o humano como perversidade radical. O apóstolo Paulo, em Filipenses (2,5-11), define Jesus como humano em tudo, menos no pecado. E, não erra. O pecado nunca foi humano, é desumano. Boff dizia com perspicácia acerca de Jesus: "Humano assim só podia ter sido Deus!" A humanidade inda que em condições degradantes pode desenvolver-se em direção a condições éticas, pelo protesto e revolta, instaurando a denúncia da opressão sofrida. Instaurando a vida coletiva na direção do Cogito anti-cartesiano de Albert Camus: "Eu me revolto, logo nós existimos!" (O Homem revoltado). Reconduzir-se pela dignidade humana no limite. No sentido que fala Jung Mo Sung: ‘O sujeito é uma ausência que grita..."
Política é parturizar o coletivo humano
Se não tem lados definidos de interesses previamente dados, porque podem ser muitos os caminhos e os objetivos, tem que estar, para ser ética, do lado da humanidade. Numa sociedade de exclusão, onde mercadoria fetichizada substitui a liberdade dos seres humanos - nos embrutece - não há omnilateralidade, posição eclética ou neutra. Fazer-se ético implica em assumir a luta conflitiva contra os processos de exclusão da humanidade e contra todos os aliados que pretendem manter esta exclusão. Por isso, política e democracia são territórios de conflitos.
A pior ideologia acerca da política é aquela que pressupõe o caráter científico e inerrante, ou o caminho do ‘politicamente correto’. Esta posição perde o chão das duras realidades e do sofrimento em carne, e padece do discreto charme da burguesia, de sobrevoar o campo da luta com megafone, de longe, gritando: - "Agora todos para lá... agora todos para cá: pretendendo dar a direção à massa imbecil!" Reproduz certo general sem rosto na guerra do Paraguai, que no fragor da batalha gritou: "Soldados, levantemo-nos e ide!" - vanguardas da modernidade iluminada, de direita e esquerda, das quais Touraine registrou: "Vivem em bolhas de vidro!"
Um ancião gracioso - antigo ex-senador - invadiu em 1987 a Secretaria da Justiça em Cuiabá com um ‘bordão’ que devia obsessivamente repetir todos os dias, em altos brados: "Precisamos de um homem! Precisamos de um homem para salvar este país, um homem para salvar o Brasil!" Imaginei-o de lampião na mão caminhando na Grécia... Ele não era e não seria o único a sonhar desta forma! Um articulista famoso, há poucos dias dizia neste mesmo espaço do Em Aberto que o fracasso do PSDB era o ‘Príncipe’ - indigitando FHC - e evocava sua comparação na obra de Maquiavel. Convenhamos que é um equívoco quase ‘maquiavélico’ uma análise unicausal em política! Também não é Lula "a" salvação ou "a"desgraça de qualquer coisa. A história ou a barbárie somos todos nós, cara pálida! É bom ler o medievalista Lefebvre dizendo que não era Lutero, nem Boccacio, nem Maquiavel que falavam nas obras críticas do seu tempo, neles gritava uma cultura, uma mentalidade de uma época à qual emprestavam suas obras. Sou responsável pelo que ocorre do outro lado do mundo e no Oriente Médio, isso me eleva ou degrada minha humanidade como cidadão da terra.
Ademais, nenhum de nós pode transferir - e, aqui, lembro Spinoza, de novo - sua responsabilidade cidadã de controle político e de governo, a representantes ou a quem quer que seja que pudessem vir a exercer legitimamente o governo por nós e em nosso nome. Por isso, depois de termos alienados, dançado e cantado ao som da música dos outros, somos meninos travessos e incoerentes, se responsabilizarmos unilateralmente o que os outros fizeram por nós e, sobretudo, por aquilo que os outros deixaram de fazer por nós. FHC é perigoso precisamente porque não está só, é uma legião, pergunte a Serra, Alckmin, Antero, Rede Globo, aliados e correlatos dentro e fora do país! É disso que fala Paulo em Coríntios, que nossas lutas são contra forças visíveis, mas contra tronos, dominações, espíritos dos ares... O que Marx chamaria do éter de uma época..., encarnado materialmente, - desculpem o pleonasmo - em mais-valia.
Vivemos uma cultura política maniqueísta, costumamos sonhar com processos nos quais a arena política está circunscrita a um Armaggedon - uma apocatástase um acerto de contas final -, onde o cotidiano e o presente não contam; e, além do mais, a vida concreta nossa diária é desqualificada, por uma ação trans-histórica de decisão preternatural de poderes exteriores à nós. A vitória final será definida pelo enfrentamento entre Patrulhas de Bem Absoluto contra Patrulhas do Mal absoluto. Isso nos induz à passividade ou ao voluntarismo. É bom corrigir isso lendo, de novo Spinoza, que assevera que a política (viu, Heloísa Helena?) não se dá no pensamento, não é sequer de todo pecadora e demoníaca, mas também não é de todo santa e imaculada. Longe dos arcanos celestes, a política pertence aos limites do mundo, onde bem e mal circulam em todos nós, e nos confundimos todos em suas flexíveis e cambiantes fronteiras ígneas.
Em política, como em tudo mais, jamais estamos fora; imersos, nela, somos cosmos & caos. Não é ruim sua impureza e contraditoriedade: isso a dinamiza. Há talvez um único inconveniente e um grande perigo nisso, o de que o bem, por decreto, esteja sempre só do meu lado; e, todo o mal esteja sempre e completamente do lado dos outros: a terrível e perversa dicotomia do nós e o resto... É desta posição que surge a política cátara da malvadeza e o discurso principalista: aquele que se assume a missionariedade de, em Cruzadas em nome de Deus vencer os bárbaros; e, justamente, porque pretende tudo saber e poder fazer, efetiva e demagogicamente, e apenas por causa disso mesmo, na prática oprime e jamais funciona!
Política é a articulação do possível com os incompossíveis. Para política ser o que é, há que se mapear no concreto pela viabilidade. Essa a sua essência! O discurso esplendoroso do ideal, precisa continuar provocando e antecipando manhãs ensolaradas entre os menestréis da utopia, mas não podem reivindicar plena verdade senão quando formar o arco-voltaico da tensão com a terra, e sua utopia transmutar-se em projeto vivo de todos para todos. A verdade - vale Marx! - está do lado da práxis, que supõe mãos no barro e liberdade nascendo. Desconfiamos das palavras, e relemos com o povo que de intenções está cheio o inferno! Por que não recordar Pascal, de novo, de que nunca se faz um erro tão grande, quanto se faz com boa vontade?
Por fim, quem assumir o poder no país estará a serviço do pecado e do mal para convocar todos nós na tarefa de co-tecermo-nos como humanidade. Isso não é tarefa para D.Quixote e Sancho Pança. Terá de esvaziar-se de qualquer grandeza. Terá que se despir da prepotência. Terá que abandonar saltos altos e revestir-se da humildade socrática sabendo que nós todos juntos somos muito melhores do que a soma de cada um.
Quem assumir, não estará a salvo de grandes conflitos. Lembrar Rosa de Luxemburgo que a grande tarefa política revolucionária emerge de um conjunto de reformas substanciais. É preciso assumir, contudo, a prática dos limites. Voar de reformas institucionais, formais, ainda que necessárias, para o campo do poder exercido pelos movimentos sociais, onde existe poder político vivo, de fato. Deverá descer, ademais para o campo da linguagem e do atrito (Wittgenstein). Deverá articular processo e projeto, sonho e história, mediando toda ação política pelos interessados nelas.
Precisaremos de um governo de todos na terra, não no distante Olimpo. O governo das caravanas, colado ao povo: sozinho não resistirá! A grande força vetorial está nos mais sofridos, que continuam a reboque de processos de prestidigitação, que incluem os indígenas, os sem-terra, os que sofrem a condição de trabalho escravo contemporâneo, o povo que reage contra o extermínio, enfim onde continuam a vigir grandes catacumbas da cidadania. Quero lembrar, enfim, que o governo que virá deverá escutar o recado do saudoso monge trapista Thomas Merton, que, traduzindo o monge taoísta Tchuang-Tzu, escrevia: "É fácil voar, o difícil é andar na areia sem deixar rastro". passos@ufmt.br

* Filósofo. Doutor em Educação. Membro do Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação / Pós Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso
Fonte:
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=30689

Frei da Pastoral da Terra se diz ameaçado de morte

Henry des Rosiers anda com proteção policial desde o assassinato de Dorothy Stang; polícia investiga caso
Carlos Mendes

BELÉM - Advogado e coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Xinguara, no sul do Pará, frei Henry des Rosiers disse ter recebido informações de policiais militares da região de que poderá ser assassinado a qualquer momento por três pistoleiros contratados por R$ 50 mil.
O serviço de inteligência da Polícia Militar (PM) investiga a ameaça desde o final de outubro, mas até agora não divulgou o resultado do trabalho. O suposto valor estipulado pelo crime é o mesmo prometido aos assassinos da missionária norte-americana Dorothy Stang, morta com seis tiros no dia 12 de fevereiro de 2005.
Frei Henry, que desde o assassinato de Dorothy Stang, anda com proteção policial, disse que não abandonará sua luta em defesa dos direitos humanos e da reforma agrária. "Tem gente aqui muito mais ameaçada do que eu. Não vou me intimidar com isso", afirmou.
Ele registrou queixa na delegacia de Xinguara e foi informado de que um dos pistoleiros já não estaria mais no Estado. Frei Henry já foi premiado nos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva com a medalha nacional de direitos humanos.
De acordo com as investigações, os principais interessados na morte do frei seriam fazendeiros da região inconformados com as constantes invasões de suas terras. Eles atribuiriam ao advogado da CPT a responsabilidade pelas invasões e podem ter decidido matá-lo para intimidar os movimentos sociais empenhados na luta pela reforma agrária.